sábado, 16 de setembro de 2017

Poucos países no mundo têm uma imagem tão negativa quanto o Irã. Ao dizer a muitos amigos que eu estava de malas prontas para passar algumas semanas por lá, as reações variavam entre "por que você vai visitar esse país tão perigoso?" e "você é louco de ir com a sua esposa e sua irmã?". Não sou de acreditar cegamente no que escuto na mídia, mas penso que cada história, por mais esdrúxula que pareça, tem um pouco de verdade. Óbvio que ter sido escolhido como parte do eixo do mal pelo George W. Bush (junto com Iraque e Coreia do Norte) e também ter um presidente que dizia abertamente que o 11 de setembro era invenção dos yankees, não fez muito bem a sua imagem. Entretanto, era justamente esse país tão pouco contaminado pelo ocidente que eu gostaria de conhecer.

Brasileiros podem conseguir o visto para entrar ao Irã diretamente no aeroporto. O procedimento é, relativamente, simples, mas exige um pouco de planejamento. Você necessita um sponsor, que pode ser um hotel ou algum conhecido e ter também sua hospedagem reservada. O meu sponsor foi meu amigo Mohammad, que forneceu seus dados e eu os imprimi para mostrar na imigração. Meu visto custou 80€, o da Rocio e da Marina 70€. Além disso, é necessário um seguro médico que, caso você não tenha, pode ser comprado no aeroporto e nos custou 14€. Os dados do sponsor foram importantes porque a imigração realmente liga. Houve outros estrangeiros que o sponsor não atendeu, o que é até entendível visto que chegamos por volta das 3h da madrugada, e o guarda da imigração não autorizou a entrada até falar com ele. O cara foi meio intimidador, mas nada anormal. A Rocio, inclusive, ganhou uma rosa de boas vindas de uma funcionária.


Uma de várias mesquitas em Teerã

Gosto de pensar que no Brasil, assim como no Irã, nossa classe política não nos representa. Porém, no caso deles, a diferença é mais latente por ter uma maior parcela da população jovem. Por exemplo, a maior parte das redes sociais são proibidas, mas todos usam VPN para acessar Facebook ou Twitter. Outras surpresas para nós ocidentais são a obrigatoriedade do hijab (véu) para mulheres e a completa proibição de bebidas alcoólicas. O que me dizia meu amigo iraniano era que de nada adianta mudar os políticos do país se quem realmente o comanda é o poder religioso dos aiatolás, que são os líderes máximos do islã xiita. Meu amigo, inclusive, é ateu, o que me fez pensar que a população é muito mais progressista do que consideramos.

Mas bem, voltando a viagem. Voamos diretamente de Moscou a Teerã. O aeroporto fica 30 km ao sul da cidade. Chegamos de madrugada e após uma hora de molho na imigração conseguimos nossos vistos e encontramos meu amigo. O plano era passar apenas essa noite em Teerã, descansar e seguir a outras cidades. Havia escutado que Teerã era apenas mais uma cidade caótica do Oriente Médio. No entanto, meu amigo insistiu que ficássemos alguns dias por lá. Além de ser legal revê-lo, também seria ótimo explorar esse país tão diferente com um local e devo dizer que valeu muito a pena. Ele nos passou dicas valiosas, principalmente, à respeito do dinheiro.



Palácio Golestan

A economia iraniana acumula muitos anos de inflação, o que fez com que a moeda tenha um monte de zeros! A moeda é o Rial, mas na prática eles dizem os preços em Toman, que é o Rial com um zero a menos. As notas têm pouco valor. A maior de 100,000 Rial (10,000 Toman), vale poucos dólares. E, por conta do embargo, não é possível sacar dinheiro e nem usar cartões internacionais no Irã. Ou seja, você tem de levar em moeda estrangeira toda a quantia que for usar. Trocamos dinheiro (de Dólar para Rial) para a Rocio, a Marina e eu, e como as notas valem pouco, acabamos saindo com uma mochila cheia de dinheiro. Gostaria de pensar que eu era o Rocha Loures com a mala de dinheiro do JBS, mas na verdade aquela mochila cheia representava 4 ou 5 notas de dólares. O interessante é que essa desvalorização, que pode parecer um pesadelo, faz na verdade com o país seja extremamente barato para os estrangeiros. Gastávamos uma média de U$4 por pessoa por refeição em lugares simples e mesmo nas noites que decidíamos comer em lugares tradicionais com música ao vivo, nunca gastávamos mais de U$10 por pessoa.

Fomos a vários lugares interessantes, em Teerã, que compensaram os dias que passamos por lá, incluindo:


Eu e Rocio no Palácio Golestan


Rocio e Marina na sala dos espelhos do Palácio Golestan

Palácio Golestan - Um complexo com vários palácios da dinastia Qajar que foi uma das dinastias que governou o Irã antes da revolução de 1969, encabeçada pelo onipresente Imam Khomeini. Ótimo para tirar fotos e conhecer um pouco do Irã do começo do século XX.


Comendo em Darband

Darband - Área montanhosa recheada de restaurantes. Provamos o tradicional kebab que é completamente diferente do kebabs que eu conhecia. Eles chamam de kebab qualquer carne assada na churrasqueirinha com carvão na rua. Uma espécie de espetinho de gato. O kebab, que nós conhecemos, é na verdade o kebab turco. Provei também uma bebida típica, que é uma mistura de iogurte com água com gás. Nunca mais! Fomos à Darband em táxi e isso rendeu um dos momentos mais tensos da viagem. O trânsito estava impossível e o motorista decidiu dirigir pelas calçadas, pela contramão na maior velocidade, à noite e com farol desligado! Vida loka no Irã!

Milad Tower - A torre gigante que pode ser avistada de qualquer lugar de Teerã. Há muitos restaurantes e uma vista panorâmica incrível da cidade. Antes de subir nos elevadores super rápidos há uma explicação a respeito da torre e sua construção. O legal é que éramos os únicos estrangeiros e recebemos tratamento vip com a guia parando tudo para fazer a explicação em inglês para nós!



Mohammad no Museu dos Tapetes

Museu dos Tapetes (Carpet Museum) - Fará entender que os tapetes persas são obras de arte e que podem custar fortunas! Há muitos tapetes e que de certa forma contam a história do país com imagens de seus poetas famosos em verdadeiros bacanais, guerras e muito mais.

Contemporary Art Museum - Tem uma coleção impressionante com Picasso, Munch, Monet e muito mais. Porém, ultimamente essas pinturas têm ficado guardadas nos cofres do museu para dar mais destaque aos artistas locais, que na verdade, também são muito bons. Fiquei impressionado!



Azadi

Azadi Square - Pra mim, sempre foi o cartão postal da cidade. A construção futurista, que contrasta com o restante da cidade, ocupa toda uma praça. O problema é que fomos em um dia de muito calor e há pouca proteção para o sol. Azadi, em farsi, quer dizer liberdade.

Aliás, falando de calor, outro ponto a levar em conta antes de visitar o Irã é o clima. Como grande parte do Oriente Médio, os verões são infernais. Talvez mais quentes do que o próprio inferno. Por mais estranho que pareça, os invernos são frios. Em Teerã, inclusive, há uma estação de ski. Quem diria!? As melhores épocas para viajar são primavera e outono.



Locais passeando

Outro ponto inesquecível de Teerã não é nada positivo: seu trânsito é um desastre! Os poucos semáforos que existem não são respeitados e a faixa de pedestre é apenas uma pintura no chão. Juro que poemas serão escritos para o primeiro motorista que frear na faixa de pedestres. Cruzar as ruas é sempre uma aventura. Ao menos há metrô na cidade, que apesar de grande para os padrões da região com mais de cem estações - maior do que o de São Paulo - não cobre toda a cidade. As passagens são uma barganha, custando U$0,20. Isso mesmo, menos de R$1. Há vagões exclusivos para mulheres. Nos sentamos no vagão misto, já que éramos dois homens e duas mulheres e atraímos (alguns) olhares curiosos. Fiquei sem saber se era por sermos estrangeiros ou pelas mulheres mesmo. E até mesmo caminhar na calçada é complicado porque as motos transitam por lá. O único a fazer é relaxar! Quando disse que o Irã é seguro, quero fazer um adendo: as chances de você morrer no trânsito são reais!


Após esses três dias em Teerã, era hora de ir à 
Esfahan. Essa cidade marcaria uma mudança na viagem, pois deixaríamos de viajar com Mohammad e começaríamos a viajar sozinhos. Na verdade, pelo mais que meu amigo tenha sido um anfitrião incrível, e nos mostrou quão grande é a hospitalidade iraniana, eu ansiava pela nossa independência. Como agora não tínhamos um nativo, as pessoas se aproximavam mais para conversar. Conhecemos muitas pessoas que foram sempre bastantes educadas e amorosas. Sempre diziam amar o Brasil e queriam nos adicionar nas redes sociais. Nesse momento vi como é injusta a fama do Irã. Escutei mais de uma vez pessoas dizendo que deveríamos mostrar ao restante do mundo a nossa impressão do Irã. Nas palavras de um clérigo, que se aproximou de nós "nem mais, nem menos".



Rocio na Mesquita Lotfollah

Voltando à viagem, fomos de ônibus de Teerã à Esfahan. Diga-se de passagem, o ônibus era confortável e barato: três pessoas por fila, lanche incluído e tv. O leito custava U$5,5. Como nem tudo é perfeito, a tv só tinha programas em farsi! Pegamos um ônibus noturno e acabamos chegando à Esfahan às 05:00. Após uma negociação com os taxistas locais, chegamos ao hotel e o atendente nos deixou fazer o check-in ainda de madrugada. Aproveitamos para dormir um pouco. A hospedagem é um detalhe importante, visto que o sistema financeiro do país está fechado ao exterior, é bem complicado fazer reservas pela internet. As poucas opções disponíveis no Booking.com são absurdamente caras. Acabamos usando o site Seven Hostels, que funcionou muito bem. Não há pagamento na hora da reserva, mas você tem que confirmá-la poucos dias antes de chegar, via Whatsapp.


Mesquita Lotfollah à noite

Durante o primeiro dia em Esfahan conhecemos:


Interior da Mesquita Lotfollah

Mesquita Sheik Lotfollah - Bem pequena. Pode ser visitada em meia hora. Possui apenas uma câmara, mas que é gigantesca e extremamente fotogênica com azulejos com mensagens do alcorão em farsi (o que é uma raridade, já que a maioria está em árabe) e lindos azulejos.

Mesquita Shah - Bem maior que a anterior e também exuberante. Infelizmente, estava em reformas (que parece estar durando uma eternidade). Na câmara principal, se você se posiciona sob uma pedra negra, escutará um eco, o mais incrível que já escutei na vida! A Rocio e a Marina decidiram cantar e tomaram bronca do segurança, que disse que apenas músicas religiosas eram permitidas. Esse foi o meu momento de rir delas e dizer "eu avisei!".


Praça Naqshe Jahan com o Baazar ao fundo

As duas mesquitas estão na Praça Naqshe Jahan, que é imperdível. Uma praça gigantesca com jardins, fonte, mesquitas e cercada pelo BaazarE que baazar incrível! Eu geralmente fico com pé atrás em relação a bazares porque vejo que a maioria acabaram se convertendo em um camelô. Mas, esse vendia artesanatos incríveis - que mesmo pra mim, que raramente me interesso por essas coisas - me surpreendi.

Em nosso segundo dia, decidimos tentar uma estratégia diferente. Durante o meio dia, fazia muito calor e, por isso, decidimos sair mais cedo e voltar para descansar durante a hora do almoço, e então sair outra vez no fim da tarde. Durante a manhã, fomos à Mesquita Jame, a mais antiga da cidade. Foi impressionante ver uma construção do século XI ainda de pé! A mesquita também é bem grande e muito mais rústica do que as demais.


Ponte Khajou à noite

Após a parada do almoço, fomos conhecer as pontes da cidade, passando por Siosepol e Khajou. As duas são bem lindas, mas nos surpreendeu um pouco o fato de que os rios estão completamente secos. Descobrimos que o rio é represado e só é liberado durante parte do ano. Em seguida, voltamos à Praça Naqshe Jahan e comprovamos que ela é (ainda mais) linda durante a noite! A praça estava bem movimentada, com crianças brincando na água, amigos passeando em charretes e famílias fazendo picnic. Acabamos batendo papo com uma família bem simpática, que vejam só: nos convidou a ficar em sua casa! Tenho que admitir que muitas vezes ao viajar, quando um local puxa papo, o meu instinto já me faz pensar que há algo por trás. Porém, no Irã tive de aprender que as pessoas realmente se interessavam pelo meu país e que também se preocupavam em saber o que eu pensava do delas, sempre preocupados com a péssima imagem de seu país no exterior. Aliás, tive que descobrir como pronuncia Brasil em farsi para que me entendessem e é algo como Bérésel.

Seguimos viajando pelo Irã, mas as outras histórias ficam para o próximo capítulo!

Irã - Parte 2 - Yazd, Pasárgada, Persépolis e Shiraz

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